
Papa Pio XI
Saudação
do Dr. Jackson de Figueiredo ao Santo Padre
Senhores, cabe-me a
honra de em nome da “Semana Missionária” saudar o soberano Pontífice, o augusto
Soberano dos povos Católicos, a cuja voz acudimos para a realização desta
grande obra, a mais cristã a mais santa que fora possível idear, a esta hora,
sobre a face da terra.
Realmente, senhores, quem ― abrangendo num só olhar interrogativo
o que vai pelo mundo ― meditar, um momento, sobre as
angústias e as esperanças desta hora, logo compreenderá que obra alguma pode
ter tão alta significação moral como a que refletida, ao mesmo tempo, na sua
causa e nos seus fins essa dupla feição da atividade católica contemporânea: de
um lado, atormentada, como nunca, assaltada de horror, de repugnância e de desolação;
do outro, mais do que nunca também, desassombrada e firme.
O Santo Padre quis, pois, num gesto
único confirmar as dúvidas e as alegrias da consciência Católica.
Mas, não há gesto daquele que guarda
sobre o mundo o segredo do coração paternal de Jesus Cristo, não há do sucessor
dos Apóstolos que não se resolva numa benção como não há benção cristã que não
seja um incitamento à coragem, à luta contra o mal, à luta em prol do bem.
E é isto o que significa a palavra
do Santo Padre Pio XI reavivando, no seio da sociedade contemporânea o que
podemos chamar o senso Apostólico, a Obra Missionária.
Qual o espetáculo que temos diante
dos olhos?
Por todo o Ocidente, o Estado, com
mais ou menos rigor de lógica anticristã, baniu dos seus meios de ação sobre a
sociedade, o mais forte elemento de persuasão moral e a mais natural das forças
de coesão: a fé, a fé sobrenatural do indivíduo, mas que, transportada ao
domínio das coletividades, é como uma simples mas poderosa energia de
humanidade refeita, como que alongada em raízes de sensatez e de equilíbrio, da
vida atual a sua originária fonte de retidão e de justiça.
O resultado desse anticristianismo
que o Estado moderno, nascido da Reforma e vitorioso com a Revolução Francesa,
tem implantado no mundo ― sob as formas mais variadas da laicização, mal
disfarçando uma nevrose paganizante que não respeita nem mais o lar, nem mais a
alma da criança ― o resultado desse crime, deste monstruoso atentado às leis da
inteligência do mundo, é o que está aí a atormentar-nos, a todos quantos temos
ainda consciência das necessidades humanas, por todo o chamado mundo civilizado,
a agonia da autoridade ou a sua confusão com a força bruta, perdido por assim
dizer, o seu prestígio moral, a sua razão de ser, ao sabor dos mais desencontrados
arbítrios de imaginação, ao impulso das paixões mais violentas.
Leão XIII assim resumia esta
situação: “Desde que a fé Católica se extingue ou enfraquece em qualquer ponto,
está aberto o caminho à insânia das opiniões e à paixão da novidade”.
No mundo civilizado é esta a
desgraçada situação.
Mas é não esquecer que,
refletindo-a, a desordem, o crime, a anarquia mais monstruosa resolvem os
abismos de abjeção da Ásia e da África, ao tempo em que, sobre aquelas ondas de
ferocidade, corre o frêmito do ódio ao Ocidente, como a canalizar, a dar
direção aquele caos...
Eis, senhores, as angústias, as
amarguras a que atende o Santo Padre quando nos incita a esta obra.
Mas este incitamento à obra das
Missões, mas este apelo a todas as nossas energias, parte acaso de um chefe que
se sinta às vésperas de uma catástrofe, ou a quem, pelo menos, acabrunhe e
desespere a visão de tantas misérias, de tantos erros, de tantos crimes?
Ponhamos de parte, senhores, com a
humildade, mas também com o orgulho de quem crê mais nelas que em outras
quaisquer, ponhamos de parte as promessas divinas e os poderes sobrenaturais
que o pai amantíssimo do homem confiou à Igreja Católica.
Olhemos face a face o que ela, a
Igreja, representa a esta hora, de força humana organizada, de força social
disciplinada, atuando sistematicamente contra o erro, a anarquia, a desordem,
as paixões do mundo moderno, contra esta florescência pagã, enfim, que tanto
nos espanta e entristece, e a muitos se afigura vitoriosa, só porque, pelo
braço do Estado, foi possível que erro tomasse feição de coisa acatável e pudesse
livremente disputar a verdade o domínio da consciência humana.
Senhores: É a história, e não a
filosofia, quem nos convence de que, se o cristianismo é a verdade social, não
há verdadeiramente cristianismo aonde não chega a influência do Papado, e que,
se esta diminui, aumentam as trevas do mundo, tanto quanto sobre este se
derrama a luz do progresso e da paz na medida em que aquela influência mais
livremente se afirma.
Pois bem: não é difícil ver que são
claramente justificadas as esperanças e alegrias católicas, a esta hora, a hora
mesma, em que, como dissemos, parece pairar sore a terra uma asa de mau agouro,
tão negra como jamais se interpôs entre a humana ambição de perfectibilidade e
a suprema verdade cristã.
A história da idade moderna assim se
resume: ao crime dos reis e dos povos, que deram proporções tão gigantescas às heresias
da pretensa Reforma luterana, pôde-se ver a resposta de Deus em prol da igreja
de Roma: É, não precisa citar mais, é a Companhia de Jesus que empreende com os
seus sábios, os seus mártires e os seus Santos a conquista de um mundo revelado
pela fé Católica; ou, sobrepondo-se a todas as perseguições, a própria igreja,
com a só ajuda das suas velhas forças, já empenhadas em tantas lutas
desmoralizantes, traçando para sempre os limites do erro individualista em
matéria de fé. Mas não cessou a nefasta força prática do erro, que se apoiava
na força dos reis e nas paixões mais indomáveis da plutocracia que se
implantava no Ocidente... Surge o filosofismo ou a negação sorrateira mas
sistemática de toda sobrenaturalidade e de toda a autoridade, e são os próprios
reis que marcham cantando e rindo para o matadouro da chamada grande revolução.
A Igreja Católica parece sucumbir. Bourgoing, historiador do Pio VI, exclamava
satisfeito em fins do século XVIII: “O Papa desapareceu para sempre”. Pois ―
lembra Latreille ― já em 1814 Pio VII sabia a tal ponto vencedor do duelo que o
Papa travara com Bonaparte ― isto é, com o homem que Metternich considerava a
encarnação da Revolução ― que Genvinus podia dizer: “Os reis se inclinaram
diante dele como nos antigos tempos”.
Mas, não sabemos nós que a Igreja é
militante, que a Igreja tem que lutar até a consumação dos séculos?
Que não inventou após os desastres
da Revolução a perfídia dos homens?
De agressiva e guerreira, fez-se a
própria Revolução persuasiva e equilibrista, mas, tenaz e hipócrita, com uma
força de expansão como jamais conseguiu ter erro nenhum. Chamou-se então
liberalismo, democracia, humanitarismo, tudo, enfim, quanto tivesse como ponto
fixo de programa a laicização de todas as instituições servas do bem estar e do
equilíbrio social.
Os frutos podres desse pomar de
árvores daninhas não se fizeram esperar. Para manter-se em respeito à fortuna
daqueles cuja autoridade não tinha outro fundamento que não a própria, foi
preciso tornar mecânica a obediência das massas e transformar em ideal o Estado
de guerra permanente.
O militarismo dos Estados acobertou as
misérias mais profundas e a Igreja, logo no início dele despojada da força, não
podia ser escutada pelos que só na força confiavam e só a força respeitavam.
Sabeis, senhores, a extensão da desgraça, a profundez da ferida que o mundo
veio a receber das mãos dos seus dirigentes. Sabeis o que foi a grande guerra, estais
todos ainda espantados ante as consequências políticas daquela indescritível catástrofe.
Sabeis também, meus senhores, qual a
força, qual a expressão de dignidade social, que, única, sobrenadando a tantos
perigos e tantas ameaças venceu o tumulto bárbaro, se impôs ao respeito das
hordas sanguinárias e manteve-se intacta em meio do incêndio universal.
Quereis ouvir testemunhos dos nossos
mais decididos inimigos?
Baste-nos o de um só, o do
anarquista Carlos Malato, em 1920.
Há 15 anos ― disse ele ― o Vaticano
parecia não poder mais conservar-se de pé. Um cadáver, declaravam soberbamente
os iludidos. Da guerra gigantesca, que fez da Europa um campo de morte e de
ruínas, devorando os homens aos milhões e as fortunas aos milhares de milhões,
sai presentemente um vencedor: “O Vaticano”.
Eis, senhores, a confissão dos
nossos inimigos, e que eu aqui poderia multiplicar com a palavra de
protestantes, com Alexis François, ou ilustrar com fatos como o da homenagem do
Oriente a Bento XV ou os dos Congressos Eucarísticos que, por último, parecem
ter, não resumido, mas como que transfigurado a espiritualidade do mundo
contemporâneo.
Não é, pois, sem razões puramente
humanas que o Santo Padre Pio XI apela para a nossa fé, para que ela se
revista, mais uma vez, deste sentido mundial, do seu sentido propriamente
católico. Ele sabe que o mundo requer mais uma vez, os itinerários
santificantes da pregação evangélica, e se vê, do alto do sólio apostólico, que
esses caminhos têm asperezas cruéis, vê também os milhões de braços que pedem
socorro, os milhões de corações que pedem carinho, os milhões de consciências
que pedem a luz do Céu.
Saudemos, pois, meus senhores, o
grande Papa que penetrando mais fundamente a verificação de dupla face, definiu
de modo admirável a atualidade humana: isto é, este novo estado de coisas, em
que se faz claro, se fez evidente, que a sociedade se sobrepõe as forças do
Estado agnóstico e desmoralizante de toda ordem e disciplina, da sua própria
como de todas as mais autoridades.
E são as Missões redivivas, isto é,
remoçadas por estas esperanças que terão de resolver a rude crise moral que
atravessam todos os povos da terra!
O santo Pio XI apresenta-se como o
definidor empírico do mundo moderno, e é, após a hierarquização de seus
caracteres essenciais que nos chama à obra grandiosa da sua redenção social.
Mais uma vez, há de se ver que o “Papa”
desarmado da profecia do Cardeal Franchi, entrará em comunhão mais direta com
todos os povos da terra e não lhes levará somente a semente divina da fé cristã,
mas, ainda, os benefícios do florescer daquelas sementes no coração humano: o
senso da ordem e da disciplina, sem o qual é impossível felicidade temporal,
paz nobilitante e civilização verdadeira.
Saudemos Pio XI!
Gazeta de Notícias, 13 de outubro de 1926